Da Guerra Colonial lembro-me da mãe de um colega meu, que andava sempre de preto porque o marido tinha morrido na Guiné comido por crocodilos. Um tio meu tinha fotografias dele próprio fardado em Angola espalhadas pelas casas dos familiares - mais de 40 anos depois esse meu tio está agora a pagar a factura psicológica da guerra. Lembro-me de um folheto impresso em tons de verde que a minha mãe tinha com a fotografia e os nomes dos soldados oriundos de uma região do Alto Alentejo que tinham morrido na guerra. Lembro-me também de um soldado que andava a pedir umas tranças para pagar uma promessa - e a minha mãe pegou nas tranças que ela própria cortara anos antes e deu-lhas: ainda hoje não «perdoo» essa oferta da minha mãe.
Na Televisão todos os anos pelo Natal centenas de soldados vinham «falar» às famílias, e nós ríamos com as tropelias que alguns deles faziam da língua portuguesa, em especial quando trocavam «prosperidades» por «propriedades». Alguns meses antes do 25 de Abril a TV anunciou com muita antecedência uma reportagem que não deveria ser vista por pessoas sensíveis: passou no telejornal e era um indígena em Angola a ser fuzilado por um grupo de brancos. À revelia dos meus pais vi o episódio e na altura marcou-me bastante pois não percebia bem o que se passava.
Em casa de um tio meu que era sargento da GNR encontrava muitas revistas militares onde se lia que a Guerra do Ultramar era perfeitamente sustentável. Mas passados estes anos todos - e a história via-se escrevendo aos poucos - penso que a guerra não trouxe benefícios para nenhum dos lados, muitos morreram por «amor à Pátria» quando nem sequer sabiam porquê.
O excelente programa de Joaquim Furtado mostra o quão pouco sabemos da nossa história recente, porque o 25 de Abril teve uma espécie de inibição em falar do passado recente, talvez porque muitos dos protagonistas de então continuam a ser os protagonistas de agora!